quarta-feira, 27 de julho de 2011

Festival Milhões de Festa 2011 em resumo ( cronica de João Pedro Cordeiro )

Barcelos voltou a receber uma edição do Milhões de Festa, num evento que envolveu mais de 70 projectos musicais e colocou, ainda mais, o festival na rota dos grandes eventos do género, ao trazer a Portugal bandas como os Graveyard, Radio Moscow, Liars, Electrelane ou os muito badalados actualmente Washed Out e MillionYoung.
Mais do que somente um festival de Verão, o MF apresenta um ecletismo e uma diversidade de eventos pouco comum e sem grande comparação em Portugal. Como tal e, de certa maneira, infelizmente, há muitas escolhas que têm de ser tomadas e alguns eventos / concertos acabam por ser perdidos. Tal aconteceu com os eventos Videoteca e Lula Gigante, bem como grande parte dos concertos do palco Lovers & Lollypops que se sobrepunham à muito apetecível piscina.

DIA 22 trazia a Portugal os Liars, aquela banda que, em tempos, nos trocou para uma digressão com os Radiohead. Compreensível, portanto. Mas era também o dia dos suecos Graveyard, com um dos melhores discos do ano, pisar o palco barcelense.
Com início às 14 horas na piscina, coube aos Hill a honra de abrir o festival. Mas como há assuntos a ser tratados antes de se conseguir começar a "festivalar" - mais Sic Radical que isto, era impossível - não foi possivel assistir a este concerto e, por isso, a estreia deu-se com os filhos da terra, Glockenwise. Os barcelenses, desta vez desviados do palco principal do Milhões, onde actuaram no ano passado, para a piscina - afinal, fora ali ao lado que havia sido gravado o vídeo para "Bardamu Girls", single de Building Waves, álbum de estreia da banda -, presentearam os "piscineiros" com o seu habitual garage rock energético, rock sem merdas, como se diz por terras de galos, concerto ao qual nem as cordas da guitarra do vocalista da banda resistiram.
Pelo palco Vice, passavam pouco depois os Riding Pânico. A banda lisboeta trouxe a sua instrumentalização em ponto morto, num concerto que nunca carburou ao nível do que se viu o ano passado, por volta daquela mesma hora, naquele mesmo palco. Um concerto algo sem chama, com o habitual ponto alto em "E se a bela for o monstro".
O mal deste tipo de festivais, com muitos palcos e concertos a começar cedo e muitos seguidos, é arranjar espaço para comer algo e tirar o cloro da piscina que faz alergias a quem for disso. Isto é dizer que após Riding Pânico se seguiu um banho revigorante e um jantar ao bom estilo "camper". Isto significa que os concertos de Motornoise, Shit & Shine, Born a Lion e Aethenor, acabaram por ser perdidos.
Regressou-se a tempo de, supostamente, Gama Bomb. Contudo, uma alteração no alinhamento, fez com que os Zun Zun Egui trocassem de ordem com os Gama Bomb. O tropicalismo dos ingleses não foi especialmente excitante, roçando mesmo o maçador tal era a similaridade entre temas, apesar do assinalável esforço da banda em tentar envolver ao máximo aqueles que se deparavam em sua frente. No palco Vice seguiam-se os Gama Bomb que, por alguns minutos, transformaram as muralhas do baptizado "castelinho" numa saudável pista. Há algo de complicado em disfrutar de uma banda que parece que ela própria não se leva a sério. Isso é divertido durante uns 15/20 minutos, mas acaba por se tornar algo constrangedor após esse tempo, tal como constrangedor são os gritinhos do vocalista. Thrash Metal como já ninguém faz; uns Slayer bem mais temperados. Não da melhor forma, entenda-se.
De certa maneira, veio da Suécia parte da salvação do dia. Afinal, os autores de "Hisigen Blues", inquestionavelmente um dos melhores álbuns do ano, estavam ali à frente a escassos metros de uma plateia que nunca foi especialmente compacta. Como se prevê, foi com temas do recente álbum que a banda mais excitou o público. Temas como "Hisigen Blues", "Ain't Fit to Live Here", "The Siren" ou a fantástica "Uncomfortably Numb", sendo que nesta última vieram ao de cima algumas inconsistências vocais por parte do vocalista da banda.
Os If Lucy Fell, prometeram desde há umas semanas um regresso épico, com este concerto nos Milhões de Festa e não houve como ficar defraudado com o concertos dos Portugueses que foi, até, um dos melhores do festival inteiro. Makoto Yagyu já havia avisado, queria ir em cima das pessoas do palco Vice ao palco Milhões. Não chegou tão longe. Foi até à mesa de som. Intensíssimo do início ao fim, os If Lucy Fell prometeram e cumpriram. Trouxeram, finalmente, a palavra épico a Barcelos nesta edição de 2011 do Milhões de Festa.
A fechar o palco principal deste dia - e o dia de concertos para alguns, como eu -, estavam os aclamados Liars. Há uma relação de amor-ódio com esta banda. Se fritam demasiado, tornam-se algo insuportáveis, mas se tocam as músicas certas, estão lá no ponto. E o mesmo se passou no concerto. A espaços, tanto roçou o excelente, como roçou os limites da suportabilidade. Tendo tocado a fantástica "Scissor", todos ficaram felizes, por certo.

DIA 23 era um dia que, à partida, denotava uma grande inconsistência. Tanto haviam bandas extremamente interessantes, como havia outras que não excitavam minimamente. Um dia que abriu com o insuportável projecto "Traumático Desmame" visto à distância e a grande custo. Mas, da qualidade em níveis míseros ou não, seguiu-se um explosivo concerto do Vianenses Mr.Miyagi. A fama já não é de agora, os Mr.Miyagi são, sem qualquer dúvida, um dos melhores live act existentes no nosso país. E isto, sabe quem já os viu. Não seria, portanto, de prever algo menos que um concerto de contornos épicos, mais uma vez, prestado por uma banda nacional. E quão bizarro é ver mosh pits e circle pits à beira de uma piscina, dando toda uma nova dimensão aos conceitos de crowd surf ou stage dive. Acalmando as hostes e refrigerando a temperatura naturalmente, sem necessidade de mergulhos aquáticos, os Long Way to Alaska preencheram o furo deixado pelos MKRNI, tocando por isso mais cedo que o suposto. Nada cai melhor que uma viagem ao Midwest americano, paisagens naturais de bandas como Owen ou American Football. Os Long Way to Alaska remetem, imediatamente, para estas paisagens. Não é de estranhar, portanto, o quão bem cai isto sentado à beira da piscina ou somente deitado na relva. Poucas bandas se adequam tão bem, ou identificam tão bem, o espírito da piscina do Milhões de Festa como os Long Way to Alaska.
Inicialmente marcado para as 19, o concerto de Million Young acabou por ser adiado para as 21 em função do cancelamento de Kim Ki O (que haveriam de tocar no dia seguinte, na piscina). Mike Diaz veio directamente da flórida com o sol de Miami debaixo do braço e durante cerca de 45 minutos deu dream pop e electro pop fofinho a quem quis dançar, que resultou especialmente bem ao vivo. Ele e a beldade Cynthia, que dá nome à provável melhor musica do projecto.
Os Anti Pop Consortium trouxeram o seu hip hop alternativo a Barcelos, deixando toda a gente a saber de onde roubam os Odd Future. A banda de Beans não faz só rap, como tem inventivos momentos de DJ'ing, uma presença inesgotável em palco e uma clara noção de como dar um concertos apesar de claramente desafados de todo o cartaz. Afinal, eram a única banda de rap presente no alinhamento de mais de setenta bandas.
E o que se salva num concerto de uma banda com claras deficiências técnicas, vocalizações enjoativas e músicas a tender o entediante? Um baixista linda de morrer. Estas são as Vivian Girls, uma das bandas mais reputadas no cartaz do festival. Mas sejamos sinceros, a banda não merece esse estatuto e não fosse Katy Goodman - já disse que ela é linda? -, poucos interesses havia na banda.
Os italianos ZU trouxeram o seu jazzcore a Barcelos. Numa quase jam session de single take, os italianos deram uma nova definição a violência musical, deixando em delírio grande parte dos presentes, num autêntico festival do crowd surf.
Há algo de agridoce num concerto de Secret Chiefs. Se, por um lado, a estética visual da banda - para quem não sabe, membros encapuzados, todos vestidos de negro - é excitante, a parte musical é, porventura, demasiado medieval. Se, por uma lado, há uma presença em palco fantástica e uma clara ilustração do termo espectáculo - sem que sejam necessários grandes artificios -, há uma parte musical a remeter à cavalgada que nos deixam constrangidos por virmos de Punto e não de Frísio. O mais perto que conseguimos de viajar no tempo.
E como nada poderia ser mais esquisito que viajar à idade média, viajamos para a segunda guerra, para Bob Log, segundo episódio da saga do número 3. Ícone do one man band, Bob Log trouxe o seu capacete-de-piloto-da-segunda-guerra-agarrado-a-um-microfone a Barcelos, dando um espectáculo de slide guitar a-bluesada a que nem o Tom Waits fica indiferente. As músicas até podem ser praticamente iguais, as letras indecifráveis, mas há ali uma noção tão grande do que é saber dar um espectáculo, que torna um concerto de Bob Log profundamente memorável e inesquecível, ideal para fechar um dia de concertos.

Para o ÚLTIMO DIA do Milhões de Festa, estava guardado aquele que era, talvez, o mais excitante do cartaz. Pelo menos, aquele que se previa ocupar mais tempo a quem por lá andasse e obrigasse a dificeis escolhas entre eventos.
E tudo começava logo pelo início da tarde, com Kim Ki O e MKRNI a reporem os seus concertos cancelados anteriormente. Se as turcas Kim Ki O trouxeram os Joy Division até à beira da piscina, os MKRNI trouxeram a América do Sul, fazendo-nos sentir lamas dos Andes. Afinal, fazia um calor sensual. Quem estava na piscina sabe. Ainda na piscina, os Nazka foram uma das grandes surpresas do festival, trazendo uma brit-pop psicadélica ao bom estilo de uns Stone Roses ou uns Oasis, por mais estranho que isso possa parecer vindo de uma banda do Chile. O que é verdade, é que para além de Chilenos, foram um verdadeiro chill. Por fim, os Larkin deram aquele que foi, talvez, o melhor concerto naquele palco ao longo dos três dias, suplantando mesmo o concerto dos Mr.Miyagi. Hardcore experimental na onda de uns Refused, os Larkin trouxeram até violinos para junto da água, num concerto em que não faltaram trepadas a colunas e aulas de hidroginástica gratuitas.
O último dia foi também o dia para visitar, por fim, os outros dois palcos em falta no festival. O famigerado palco L&L e o denominado palco do metal, o palco SWR. No primeiro, para o concerto dos Equations, uma banda de post-hardcore progressivo - sim, apeteceu-me -, num onda bem famosa e fértil em Portugal, se nos lembrarmos de bandas como I Had Plans, Without Death Penalty, Adorno, etc. Pautado por um ou outro "prego", poderíamos caracterizar os Equations como o festival do pedal. Afinal, como o próprio guitarrista diz: "calma lá, que a bateria não tem efeitos", perante a vontade do baterista. Com participação vocal de Makoto Yagyu numa das músicas, a banda terminou ainda o set com uma cover de If Lucy Fell e o baterista de Lobster...na bateria. Mais tarde, subiram ao envolvente palco SWR os Löbo. Quem já viu saberá o quão desarmante é um concerto de Löbo ao vivo, tanto pela música como pela entrega e presença dos seus elementos em palco.
O produtor inglês Star Slinger, trouxe o funk e o r&b velhinho com novas roupagens mais electrónicas e deixou meio Barcelos a dançar de forma sensual. Isto, quem tinha par para dançar, que os solteirões como eu, ficaram sentadinhos no muro a ver os outros. E se ainda não estavam cansados de dançar, então Washed Out terá sido o passo seguinte, rumo ao final apoteótico com Radio Moscow, mas já lá vamos.
Washed Out era o cabeça de cartaz do último dia, e trazia o recentíssimo e aclamado Within and Without a Barcelos. Ernest Green, figura de proa do efémero chillwave, veio acompanhado de uma banda completa para trazer alguns dos melhores hits electrónicos do últimos tempos. De certa maneira, pairava ali um certo fantasma chamado Toro Y Moi, tendo em conta o quão similar era o contexto do concerto: figuras do chillwave, acompanhados por uma banda completa, cabeças de cartaz e um hype enorme na altura da actuação. Mas, se Chaz Bundick não correspondeu à altura, Ernest Green e a sua banda estiveram irrepreensíveis, fazendo um misto de Within and Without e Life of Leisure.
O cantar de galo - sintam a ironia - do festival, para os meus lados, claro, deu-se com Radio Moscow, banda mais que aguardada por grande parte do público e que deixou em delírio a massa humana que se densificou em frente do palco principal e deixou em crise a tropa de elite presente no festival. Os Radio Moscow deram um verdadeiro show de rock, ensinando a quem queria ver o que é rock sem pinga de azeite, com classe e sem mariquices. As músicas novas - que deixam antever músicas mais longas e mais instrumentais, isto é, com menos vocalizações - foram intercaladas com a excitante "Mistreating Queen" ou a fantástica "No Good Woman", que fechou o set e deixou tudo molhado, tal foi o orgasmo musical que saiu dali.

Ecos do festival, dizem ainda que os concertos de Lobster, Causa Sui, Karma to Burn, Green Machine e Throes + The Shine, estiveram entre os melhores do festival. Aliás, diz-se ainda que Throes + the Shine fora tão bom, que é uma aposta que tem de ir para a frente tal a originalidade da fusão do rock duro (rock + kuduro).

Barcelos recebeu uma missão de segurança completamente descontextualizada, com uma completa falta de noção do que estavam ali a fazer aqueles seguranças. Acaba por se tornar algo inconcebível que seja proibido à entrada sequer um pêssego ou uma sandes, quando dentro do recinto não há qualquer alternativa alimentar, muito menos para quem seja vegeteriano/vegano. Da mesma maneira que, com concertos a começarem às 18, seja proibido levar-se protector solar para o interior. Pequenas arestas que precisam ainda ser limadas, para que o Milhões de Festa se imponha definitivamente como um dos grandes festivais nacionais. Ah, e mantenha o mesmo feeling e não se venda.

Nota: Este texto foi escrito por João Pedro Cordeiro, que cedeu gentilmente a cronica ao Musica Escrita.
Aqui fica portanto o meu agradecimento.

1 comentário:

  1. Bem, se isto é um resumo, vou ali já volto... para acabar de ler isto para a semana!

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